- Com licença, você poderia acender o cigarro?
- Pois não?
- Você poderia fazer a gentileza de acender o cigarro? Essa falta de fumaça no ambiente está me incomodando.
- Mas eu não quero acender o cigarro. Eu tenho o direito de não fumar.
- E eu tenho o direito de não que conviver com a sua falta de hábito.
- Que absurdo! Não existe nenhuma lei que me obrigue a acender o cigarro.
- E só por causa disso eu vou ter que sofrer os efeitos colaterais do seu não-fumo?
- E que efeitos são esses?
- Preconceito. Querida, não sei se você sabe, mas preconceito mata.
- Não vejo como o meu preconceito possa fazer tão mal a você.
- Só o seu não, mas o seu, o dela, o dele, o dele ali...
- E você prefere morrer de câncer no pulmão a morrer de preconceito?
- Mas é claro. Preconceito causa muito mais sofrimento. Primeiro acaba com o lado social do meu corpo, depois corrói a minha auto-estima e por fim causa automutilação. É esse o fim horrível que você quer?
- Não, mas ninguém aqui está com preconceito comigo.
- Mas comigo sim.
- Isso é problema seu.
- Ah, então você não quer acender o seu cigarro, EU sofro os efeitos colaterais disso e o problema é meu?
- Exatamente.
- É, tem gente que simplesmente não sabe viver em sociedade.
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
A Casa
Desde que me conheço por gente a casa de vovó está caindo. Construção temperamental, ela nunca quer ser consertada. Você arruma uma janela, ela bambeia o telhado e inunda o piso, você remenda o telhado e o piso apodrece. A primeira parte da casa a quebrar foi meu avô. Quebrou que não tinha mais jeito, não tinha outro que encaixasse, a casa ficou sem avô. Depois o cachorro espanou. Normal, estava passado demais. Vovó tampouco quis outro, essas coisas de velho: “não se faz mais Banzés como antigamente”. Daí em diante, a coisa só descambou. A geladeira caiu a mais de 30 anos e até hoje manca da perna esquerda. Mas não estragou como o papagaio. Esse sim não fala mais nada e não há peça de reposição que dê jeito. Modelo antigo, não se vende mais, dizem até que é proibido. O rádio e meu tio, assim como o papagaio, já não cantam. Ambos pifaram e, vez ou outra, soltam alguns chiados inaudíveis. Como eu disse, coisa de construção antiga. O encanamento já era e o orgulho também. Sem encanamento e sem orgulho próprio, todos tomam banho de caneca, ali mesmo no quintal de cimento quebrado, em uma bacia de metal torto. A casa não acha ruim. Era bem isso que ela queria, invocada, jogando rebocos na cabeça dos outros como se não houvesse problema. O fato é que ela não gosta de muita gente, então quase ninguém faz questão de entrar mais ali. Tudo cheira a velhos erros e a vida mofada. Para a vida da minha avó já não há remédio, foi corroída pelas beiradas, deixada em ruínas e largada lá para os anos subirem na carcaça. Mas, apesar de tudo, a casa resiste, esperando que o tempo acabe com do único pilar que a mantém em pé. Afinal, é inevitável: não importa o quanto demore, um dia a casa cai.
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