quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Che Brasilino - Herói Alfabetizado

- Mulher, por que nossos filhos passam fome?
- Porque são muitos. Foi você que quis ter tantos filhos. Um time de futebol, lembra? Onze jogadores.
- Eles não são jogadores. Eles têm lombriga.
- Isso aí é porque estão passando fome, Brasilino.
- Merda de idéia. O Pelé aparece na Veja botando caramiola na cabeça da gente e dá nisso.
- Larga de ser trouxa, homem. Mate ele. Vingue nossos filhos.
- E como é que eu vou matar o Pelé? Ele tem segurança, mulher.
- Bem, a final da Copa não é semana que vem? Pois arme logo um atentado. Bote uma bomba lá que vai voar Pelé e todos que estiverem jogando. É onze por onze, Brasilino, É onze por onze.
- É, mulher. Até você pensa. Pois pense aí: preciso saber de um lugar onde vendem bomba. E se é pra explodir um estádio, que seja bomba nuclear.
- Ah, mas essas coisas só na Internet mesmo. Saiu na Veja que receita de bomba nuclear na Internet é que nem receita de bolo.
- Mas e depois?
- Depois o quê?
- Depois que a bomba explodir. Faço o quê?
- Ué , Brasilino. Você tira foto do estádio explodindo e vende pra Veja. Simples.
- Pois é isso mesmo que eu vou fazer. Dou uma chegada ali na lan house, passo um tempo na oficina fazendo a bomba nuclear, tiro as fotos e semana que vem volto com o dinheiro.
- Dinheiro? Dinheiro não está com nada não. Eu li na Veja que o negócio agora é comprar ação. Ação dá mais dinheiro que dinheiro.
- Ação de empresa? Mas eu não entendo nada disso. De que empresa eu compro?
- Compra da Varig.
- É boa essa empresa?
- Só pode ser, está anunciando na Veja.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Campanha de conscientização

- Meu nome é Roberval, sou baleeiro e estou a 3 meses sem matar uma baleia.
- Meu nome é Josilene, sou puta e estou a 5 meses sem usar um casaco de pele.
- Meu nome é Pimpão, sou um urso polar e estou a 2 semanas sem praticar canibalismo.
- Meu nome é Capitãoachamosalgo, sou um homem das cavernas descongelado e estou a 1 mês e meio sem torcer pelo derretimento das calotas polares.
- Meu nome é Chorão, sou milionário não assumido e estou a 1 dia sem jogar lixo no cinema.
- Meu nome é Bola, sou um tufo de cabelo e estou a 15 dias sem entupir a chaminé de um complexo industrial.
- Meu nome é José Armando Nascimento de Albuquerque Neto, sou político e estou a 20 dias sem gastar energia elétrica do meu gabinete.
- Meu nome é Joelma, ainda não foi descoberto de que espécie sou e estou a 46 horas sem contribuir para a poluição sonora.
- Meu nome é Claudinei, sou usuário de anfetamina e estou a 72 horas sem me reproduzir com alimentos transgênicos.
- Meu nome é Josué, sou socialista e estou a 9 horas sem pixar mensagens semi-decifráveis em muros semi-cobertos.
- Meu nome é comandante Pedro, sou ex-piloto da Varig e estou a 18 horas sóbrio.
- Meu nome é L&il@ Luxxx, sou emo e estou a 24 horas sem misturar materiais químicos no colírio.
- Meu nome é Fred-com-d-mudo, sou publicitário e estou a 20 anos reciclando idéias de anuário.
- Meu nome é Francisleide, sou ex-funcionária da BRA e estou a 1 mês sem comer alimentos inorgânicos ou orgânicos.
- Meu nome é José Adolfo, sou filho de milionário e estou a 5 semanas sem jogar ácido na cara da Josilene.
- Meu nome é Dedê, sou mãe do José Adolfo e estou a 6 semanas sem guardar o ácido do meu alisamento capilar na geladeira.
- Meu nome é...é..., sou tranceiro e estou a algum tempo sem fazer algo que eu não sei direito o que é.
- E você, o que deixou de fazer pelo aquecimento global?

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Conversa franca

- Mãe, me empresta seu isqueiro?
- Você acha que eu estou gorda?
- É que eu preciso colocar fogo em um mendigo.
- Em uma escala adiposa de 1 a 10. Onde eu fico?
- Só um. E ninguém vai sentir falta.Fique tranqüila.
- Tranqüila como? Não está vendo esse pneu enorme aqui?
- É, pode ser. Dizem que pneus queimam rápido.
- Nessa idade não consigo queimar nada rápido não, meu filho. Pro espaço com a dieta e os exercícios. Vou fazer outra lipo. Que tal?
- É isso aí, mãe. Vamos acabar com aquele saco de banha. Foi ótimo conversar com você.
- De nada, querido. Está saindo? Não esquece o casaco.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Planeta dos Macacos

Quando o figurão de voz rouca anunciou a sentença em cadeia nacional, o mundo inteiro comemorou. Ou o que havia restado dele. Nesse ponto o mundo já havia se transformado em um cenário apocalíptico, era o primeiro diagnóstico com o qual todas as religiões concordavam. Um fato inédito desde o surgimento da espécie mais contraditória que já existiu.

Não há muito o que dizer do homem porque, apesar de terem demorado a admitir, nada se conhece a seu respeito. Sabe-se que o cérebro humano tem dois hemisférios, ligados pelo corpo caloso. Mas isso não significa nada. Sabe-se que a pele é o maior órgão do corpo humano. Mas isso também não significa nada. Sabe-se que os seres humanos e os chimpanzés têm 98% dos genes em comum. Mas isso significa menos ainda. O que importa mesmo são os 2%. Malditos 2%. Se não fosse por eles, o mundo ainda estaria em pé.

O grande problema foi que demoraram demais a descobrir para que serviam os tais 2%. Quando os chimpanzés começaram a resolver enigmas matemáticos e estudar espécies inferiores, já era tarde. Os artistas haviam dominado o mundo. Semanas depois, estudando cérebros dessa espécie singular, os cientistas descobriram que o que sobrava de 2% neles, faltava dos 98%. Era uma divisão simples, 1% destinado à sua arte e 1% destinado ao seu ego.

O mundo se tornou uma cópia fiel de um quadro de Picasso, e isso não no sentido figurado. Aliás, em sentido algum. Na lógica de um artista só havia um critério de avaliação de uma obra: se o autor havia sido ele ou não. E foi com essa tática de julgamento e humilhação que eles quase superaram as pessoas normais e se tornaram a raça dominante. Isso até a última reunião de países, onde o presidente da ONU decretou o extermínio de todos os artistas.

Os matemáticos comemoraram com pulinhos esquizofrênicos e os professores distribuindo boas notas à rodo, mas ninguém ousou fazer um brinde como pretexto para se encher de álcool. Isso era coisa de artista.

“Coisa de artista” passou a ser uma expressão cada vez mais rara, assim como os próprios artistas. Os que não foram capturados de início presentearam a si mesmos com mortes, por assim dizer, artísticas. Alguns pintaram seus corpos até que não houvesse um póro livre da asfixia, outros derreteram seus rostos com ácido e aproveitaram os últimos momentos para moldá-los ao seu bel prazer e, por último, havia aqueles que empalhavam uns aos outros.

O planeta-arte se transformou em um ateliê de corpos e a raça humana finalmente pôde voltar aos seus ábacos, dicionários e sistemas binários. Mas, como já foi dito, não há nada mais contraditório que o ser humano. Eles não conseguiram viver em paz. Decidiram guerrear com a espécie semelhante que, eliminados os 2% de diferença genética, passou a ser os chimpanzés. Ganhou a espécie com maior senso ético e moral.

Foi assim que os chimpanzés dominaram o mundo. Eliminaram todos os humanos e se tornaram a espécie mais inteligente, perdendo para os golfinhos por apenas 2%. Mas não seria assim por muito tempo. Um dia, um chimpanzé descobriu uma velha lata de tinta, molhou o dedo e esfregou em uma árvore. Estava dada a sentença de extinção da raça.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Apenas mais um jornal

Era uma vez um jornal. Em cima dele, um teto empoeirado e à sua frente duas grandes olheiras. Era um belo jornal, o mais belo em muitos meses, diriam alguns. Isso devido à imagem que vinha estampada na capa. Os repórteres a chamariam de “furo” e o assassino de “vítima” . Mas ao jornal nada disso interessava. A única opinião que importava para ele era a daquela mulher desconhecida por trás das olheiras. E a reação dela foi bem diferente das esperadas.

Jornais vivem de expectativas e para ele, aquilo não era nada bom. Alguns jornais até chegavam a voltar para a banca, mas para a mesa do editor chefe, jamais.

- Minha senhora. Esse garoto é filho de uma deputada e foi cruelmente assassinado por um fugitivo perigoso. Uma bala só, certeira. Um absurdo. É por isso que ele está na capa do nosso jornal. Porque onde houver alguma injustiça contra a sociedade...

De resto, o jornal só ouviu “blá blá blá”. Já conhecia muito bem o papo do editor, estava todo estampado com ele. Queria mesmo era ouvir o que a mulher das olheiras tinha a dizer.

- Injustiça? Injustiça é colocar no jornal a foto do garoto morto em vez da foto do meu filho. Isso aí é caso perdido. Morreu, está morto. Meu filho está perdido por aí, na mão de algum safado. Já esse garoto, todo mundo sabe onde está.

Nada daquilo fazia sentido para o jornal. Para ele, só existia um filho, o da deputada. E aquela mulher não se parecia com a deputada.

É possível que o jornal tenha ficado entretido demais com a mulher das olheiras, porque só agora via que atrás dela vinha um batalhão de pessoas. Elas carregavam cartazes com a foto de outro garoto. Segundo a mulher das olheiras, haviam utilizado a foto errada na sua capa e, graças a isso, ele era um inútil.

Isso abalou a auto-confiança do jornal. Ele mal ouviu o que falavam depois. Só conseguia pensar que entre milhares de jornais, fora o único que não cumprira sua função. Agora estava ali novamente, embaixo do teto empoeirado, esquecido no canto da mesa, enquanto aquelas pessoas se reuniam em volta de uma caixa de leite. Na falta de um jornal, foi o que puderam oferecer à mulher das olheiras.

Ao jornal parecia óbvio que uma caixa de leite não valia como jornal. Enquanto estava nas prateleiras, conheceu inúmeros leitores de jornal, mas nenhum leitor de caixa de leite. Mas a mulher das olheiras só foi perceber isso muito tempo depois, quando mais e mais caixas chegavam e não havia ninguém para tomar aquele leite.

O leite azedou, assim como a mulher das olheiras. Leite tem prazo, esperança também. E logo a mulher das olheiras desabou. As olheiras finalmente se encontraram com o jornal, misturando lágrimas grossas com tinta rala. Aquela poça, que tingia o sorriso do filho da deputada de negro marcou o encontro final do que restava de um jornal com o que restou de uma mulher.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Che Brasilino

Um dia Brasilino acordou inconformado. Foi assim, sem muita explicação. A vida não piorara de repente, já era desse jeito desde que Brasilino era Brasilino. Mas hoje, apenas hoje, Brasilino não era ele.

- Mulher, por que nossos filhos passam fome?
- Porque são muitos. Foi você que quis ter tantos filhos. Um time de futebol, lembra? Doze jogadores.
- Eles não são jogadores. Eles têm lombriga.
- Isso aí é porque estão passando fome, Brasilino.
- Merda de idéia. O Pelé aparece na TV botando caramiola na cabeça da gente e dá nisso.
- Mata ele.
- E como é que eu vou matar o Pelé? Ele tem segurança, mulher.
- Mata o segurança e depois mata o Pelé. Simples.
- Mas e se ele me der um tiro antes? Porque já viu, né. O cara é profissional.
- Então primeiro você mata o cara do armazém que vende balas de revolver. Quero ver esse segurança te acertar se a arma estiver vazia.

O plano não lhe pareceu ruim, mas milagrosamente falhou. Brasilino não conseguiu matar o Pelé. Tudo foi por água a baixo quando o vizinho viu a mão do entregador do armazém brotando do jardim.

Brasilino foi parar na cadeia e na capa dos jornais. De lá, contou sua vida a um repórter que escreveu a auto-biografia do Brasilino (isso mesmo: auto). O livro esgotou em todas as lojas, assim como a caneca, a camiseta e o caderno escolar. Até um grill do Brasilino foi lançado, um com um buraquinho de escoamento que, segundo o comercial, era um tiro na gordura.

Emocionado com a saga de Brasilino, um conceituado treinador de futebol se ofereceu para dar aulas aos seus filhos. Logo, metade deles foi parar em times europeus. Os que ficaram também não se deram mal. Começaram a dar palestras de como vencer na vida, sem as quais jamais venceriam eles mesmos.

Brasilino viveu bem em condicional até o dia em que foi levou um tiro na cabeça. A Associação dos Entregadores de Armazéns assumiu a autoria do atentado. Isso causou revolta na população, que se armou, tomou todos os estabelecimentos comerciais e depois o governo.

Brasilino se tornou um mito. Ele pode não estar mais vivo, mas a sua mensagem jamais morrerá. Ela pode ser resumida em apenas uma frase, mas não cabe repeti-la aqui. Todo mundo já sabe qual é mesmo.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Tatuagem Literária

- Veio fazer uma tatuagem também?
- Sim. Vim tatuar uma merda no cóccix.
- Posso ver o desenho?
- Sim. Aqui está.
- Mas isso é uma merda.
- Sim. Vou tatuá-la no cóccix, já disse.
- Minha senhora, a senhora não pode fazer isso. Esse é o tipo de coisa que precisa de um motivo. Não dá pra sair tatuando uma coisa dessas num lugar desses.
- Mas a merda significa muito para mim. A merda representa um ciclo que todos crêem ter chegado ao fim. Na visão de muitos, ela é resto, mas na verdade, merda é o começo. Merda aduba o solo e recomeça um novo ciclo. Merda é vida. Tudo é merda.
- Mas esse tipo de metáfora é totalmente falível. Confie em mim. Eu sou escritor, sei o que estou falando. Quer uma metáfora boa? Uma flor. Flores também têm ciclo, morrem, adubam o solo, essa coisa toda. Bota uma flor aí que a senhora não vai se arrepender.
- Se o senhor diz que é melhor...
- Sim. Vai por mim.
- Tá bom então. Moço, quero tatuar uma flor no cóccix.
- Pois não, senhora. E o senhor, vai querer que tatuagem?
- Uma merda por favor. Na nuca. A senhora faria a gentileza de me ceder o desenho?

terça-feira, 4 de setembro de 2007

O.A.

Na primeira vez que resolvi experimentar, me pareceu boa idéia. Era um amigo que estava oferecendo, e em amigo a gente deve confiar. Mesmo assim fiquei meio relutante. Fui sorvendo aos poucos, primeiro com cautela, depois, como a única poça em quilômetros de deserto.
No começo parecia grande coisa e, como toda grande coisa, caiu na rotina. Se tornou indispensável como geladeira, pasta de dente e novela das oito. Era como sentar no canto do restaurante, perto da parede, naquela mesa em que você se sente seguro. Mas por trás de tudo havia uma certeza: eu estava vulnerável. Havia pulado do abismo e me iludia que aquilo era a corda que me segurava na beirada. Era hora de procurar ajuda.
- O primeiro passo...
- Isso, diga, diga qual é o primeiro passo – minhas mãos suavam, estava prestes a me inebriar de novo.
- O primeiro passo é você quem tem que decidir.
Parecia injusto. Eu deveria depender de mim mesma. Só o que me arrumaram foram dois tampões de ouvido, para impedir que a substância penetrasse na minha cabeça. Tudo se tornou insuficiente para mim. Me recuperar do irrecuperável, esse era o desafio. Eu sabia que voltariam a me afrontar. E foi o que aconteceu. Assim que esse texto saiu, eu resisti em pedir, mas não demoraram a oferecer.
- Quer uma opinião?
- Não, obrigada. - O primeiro passo estava dado. Eu me libertara do vicio.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Boi-da-cara-preta

- Mãe, deixa a luz acesa? Eu estou com medo do futuro.

- Outra vez? Mas eu já lhe disse que o futuro não existe.

- Existe sim. É que ele não está se mostrando agora, mas é só eu pegar no sono que ele aparece para acabar com algum sonho meu.

- Querido, o futuro não pode te pegar. Até chegar em você, ele já virou passado. E o passado não pode acabar com os seus sonhos. Aliás, graças a ele, a maioria desses sonhos nem chega a existir. E do passado não dá mesmo para fugir. Por mais que você corra, ele sempre acaba te pegando. Aí já era. Você só vai diminuir, enquanto o passado cresce a cada segundo. Até que um dia ele fica tão grande e assustador que acaba te sufocando.

- Mãe?

- Sim, querido.

- Pode deixar a luz do seu quarto acesa. Eu não me incomodo.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Ladrão

Eu não sou ladrão, não senhor. Não ando por aí de terno, gravata e valise na mão. Nem limpo eu ando. Ladrão anda limpo, porque trabalho, trabalho mesmo suja. Trabalho não tem nada a ver com roupa engomada, creme para as mãos, sapato lustrado. E ladrão é aquele cara que não tem mão calejada, respingo de tinta e suor na testa. Isso tudo eu tenho. Se quiser, tire uma foto minha, leve minha roupa como evidência.

Pode checar aí na gravação que eu não falo direito. Isso lá é coisa de ladrão? Ladrão que é ladrão compra educação. Só não exercita com a gente. Mas fala errado na frente de ladrão pra ver. Ele tira sarro do senhor. Isso se ele enxergar o senhor, porque ladrão é meio míope. Só enxerga números – de cédulas, de contas, de eleitores – só números. Eu nem contar sei. Como é que eu vou ser ladrão?

Se o senhor precisar de alguém que confirme que eu sou trabalhador, é só ir lá no bar do Luizão e perguntar para os meus amigos. Porque, o senhor sabe, ladrão não tem amigo. Ladrão só anda com ladrão. É pra caso alguém diga que ali tem ladrão, um apontar o outro. E o pior é que quando gritam “pega ladrão”, é gente como eu que corre.

Eu corro mesmo é porque ladrão adora dizer que a gente é ladrão. Eu pelo menos não sou. E nem é por convicção. É por falta de oportunidade. É o povo que escolhe o ladrão e ninguém me elegeu para isso. É uma pena decepcioná-lo, mas não vai ser o senhor que vai capturar um ladrão. De ladrão escolhido pela gente, só a gente pode cuidar. E se ladrão não liga pra gente, a gente liga menos ainda pra ladrão. Afinal, dá menos trabalho criar um ladrão a cada quatro anos que destruir um por dia. E, no final das contas, não faz mesmo sentido. Pra que tirar a autorização para roubar se foi a gente mesmo que fez o ladrão?

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Que atire a primeira bala

Mal sabiam eles quantas vidas seus risos custariam. Mal sabiam eles que sua vida estava nas mãos dos risíveis. E sua morte também.

Os risos vinham a galope, adiantados ou atrasados. Tinha até vale-riso. Coisa da modernidade, bem simples. Minha mãe gritando: Filho, não esqueça seus tentáculos. Pronto, vale-riso. Nem saí com os tentáculos ainda e já sei que vão rir de mim. É como injeção, dói por antecedência. Deveria chamar vale-lágrimas. Isso é, se as minhas valessem alguma coisa.

Mãe, eu não quero sair com os tentáculos. Mas não tinha jeito, eram ordens médicas. E para a minha mãe, só havia uma autoridade acima do médico. Pensando bem, não havia nenhuma. Se o médico disse tentáculos, tentáculos serão. E tentáculos foram. Roxos, gosmentos e esburacados como todo tentáculo.

Encaixava eles nos buracos extras do meu corpo e me preparava para aquilo que ia me marcar para resto da vida: risos. Os tentáculos me tornavam invisível, mas não do jeito que eu queria ser. Ali, eu não era eu e nem era ninguém. Eu era o garoto dos tentáculos.

Tentei rir com eles, fingir que também via graça em tentáculos. Os risos aumentaram ainda mais. Então, tentei fingir que não ouvia risos, que não havia tentáculos. Os risos se transformaram em gargalhadas. Subi no palco, tomei o microfone de assalto e disse que era igual a eles. Só que com tentáculos. As gargalhadas se tornaram crises fulminantes. Todos rolavam no chão, à beira de um ataque. Não tive escolha. Abri os tentáculos e fiz com que mexessem. Primeiro descontroladamente, depois em movimentos circulares e, para finalizar, dançando macarena. O ataque aconteceu. Riram tanto que caíram duros no chão.

Com um sorriso no rosto, estendi a mão à palmatória. Literalmente. Apanhei o bilhete que me estendiam e fui para casa tranquilamente. Entreguei o bilhete à minha mãe como quem exibe uma medalha. Ela se assustou. Nota “D” em comportamento e uma semana de suspensão? Não tinha escolha, mamãe. Tive que matá-los.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Sistema Único de Putaria

Não é todo dia que a gente assume que foi injusta com o Estado. Com tanta roubalheira, tanta corrupção, pensei que estava perdida quando vieram me buscar. Fiquei até com medo daquele homenzinho de pasta na mão: A senhora vem com a gente. Por quê? A senhora não é profissional do sexo? Sou. Pois então, a senhora agora pertence ao Estado.

Era só o que me faltava, estatizaram as putas. Os socio-capitalistas sobem ao poder e é a gente que paga o pato. Mas patos eram eles se achavam que a gente ia se contentar com pouco. Se fosse pra ver pinto de graça, ficava logo com o que cortaram de mim.

Cheguei lá com a língua em riste e o salto armado, pronta para dar escarcéu. Vocês estão muito enganados se pensam que vão me colocar nessa...mansão maravilhosa. É aqui que eu vou morar? Era. Morar não, desfrutar. Veja só, e ainda tem gente que defende a privatização. Quando eu era dona do meu corpo, só vendia pra vagabundo fedorento. Agora, só vinha deputado rico com colônia francesa.

Em pouco tempo eu ganhei carro, roupas, jóias e, como não poderia faltar, gonorréia. Nada que me levasse pro necrotério. Nada que me poupasse do posto de saúde e suas infinitas filas. Mas eu era prevenida e tratei de levar um banquinho dobrável. Banquinho que, diga-se de passagem, nem cheguei a tirar da sacola. Assim que cheguei lá, fui direto para a sala do médico. Fui tratada como uma verdadeira rainha. Ele me implantou um chip que, além de curar a gonorréia, prevenia qualquer DST que eu pudesse ter.

Saí de lá com o sorriso rasgando a cara. Me despedi e quando estava cruzando a porta, um som inesperado anunciou minha saída. Era o alarme. Logo, dois gorilas me agarraram pelo braço e me levaram para dentro. A senhora não pagou a conta, disseram. Pagar a conta? Mas que absurdo, O SUS é público. Foi. Foi? Foi, pretérito perfeito. Ou melhor, pretérito imperfeito, presente perfeito. Só o Novo SUS cuida de você e da sua família como ninguém.

Bem que eu imaginei que esse negócio de estatizar puta tinha um preço. Não dá pra sustentar tanta coisa se não vender pelo menos uma. Se for ver, até que saiu barato. O SUS não valia grande coisa mesmo. Agora o serviço era caro, mas pelo menos funcionava direito. Por isso não hesitei em tirar o cheque da carteira. Vai fazer à vista? - perguntou a funcionária. Claro – respondi – Alguém tem que pagar a conta.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Made in Brazil

Nós não andamos por aí pelados. Para falar a verdade, nós nem andamos por aí. Nós dirigimos por aí. Usamos roupas e carros. De marca. E nem dá para questionar a qualidade, porque nós compramos de vocês.

Nós também compramos seus princípios, e pagamos cada centavo. Então, se isso esclarece a sua dúvida: não, nós não trepamos indiscriminadamente. Nossos pais não trepavam indiscriminadamente, nossos avós não trepavam indiscriminadamente e nossos bisavós...bem, desses aí não dá para falar muita coisa. Só conheceram a civilidade de verdade quando vocês chegaram aqui.

Mas não foi só isso que aprendemos com vocês. Seus livros também invadiram nossas estantes e seus hábitos, nosso modo de vida. Portanto, pense duas vezes antes de dizer que levamos vida fácil pois, imitando vocês, descobrimos o quão complicada ela deve ser.

Nós não somos diferentes de vocês. E se domamos nossos instintos e apagamos nossa cultura só para provar isso, não é qualquer gringo de merda que vai dizer que em 500 anos não progredimos nada. Há meio milênio, vivíamos para aprender. Hoje, somos ensinados a viver. Isso, caro amigo, se chama progresso.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Plasma

Plas-ma. Anota aí pra senhora não esquecer. Se bem que não dá pra esquecer um plasma, não é mesmo? Pelo menos é o que diz todo mundo que vinha aqui. Pareciam que estavam tocando em Deus. Mas é melhor nem tocar, porque a senhora conhece essas frescuras de tecnologia. É pra ver mesmo. Dava pra ficar o dia inteiro na frente dele. As vizinhas, se pudessem, não saíam daqui. E era um pedido atrás do outro.

Bota no bebê da Jolie. O Gugu vai dar dinheiro pra um menino sem braço. Ora, mas toda semana o Gugu dá dinheiro pra um menino sem alguma coisa. Domingo retrasado foi pra um sem casa e no seguinte pra um sem cérebro. Se aparecer algum sem costeletas, ainda assim vai ter gente querendo assistir. Eu prefiro nem correr o risco. Deixo logo no pastor porque o que o pastor fala não se escreve. E eu nem sei escrever mesmo. Mas tenho uns olhos e uns ouvidos que até Deus duvida e sei ver quando a imagem é boa.

A senhora acredita que nem precisava de bombril na antena? Isso é que é tecnologia. Eu nem sabia mais o que fazer com os bombrils que tinha aqui. Peguei tudo e levei pra sala. Meu filho veio correndo, achando que eu era ignorante. Garoto burro. Não era pra pôr na antena, era pra limpar o plasma mesmo. Eu gosto das coisas assim, limpinhas e conservadas, pra durar bastante.

Mas vizinho...já viu né. É só ver que você está cuidando bem das coisas que tratam logo de pôr urucubaca. Meu plasma logo ficou todo arranhado. Já nem dava mais pra distinguir o pastor do encosto. E foi aí que a ficha caiu: encosto. Tinha encosto no meu plasma.

Liguei pro pastor e disse que precisava me livrar de um encosto. Uma mulher de voz metálica ordenou que eu desse um banho no encosto e mandasse ele embora. Ir ele foi, mas levou tudo consigo, imagem e som. Ficou só o plasma lá, sem pastor e sem encosto.

Mas ainda assim é o plasma mais bem cuidado do mundo. Todo mês eu lixo e dou uma nova demão de tinta pra conservar. A senhora quer ver? É normal que a senhora fique curiosa. Gente que ainda não está acostumada com modernidade que nem eu estou se surpreende mesmo. Dê uma passadinha aqui depois do sensu. E não esquece heim? É plas-ma.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Space Invador

- Para receber o seu dinheiro aperte ENTER.
- ENTER.
- Olá humana. Sou uma máquina vinda do futuro e estou fantasiada de caixa eletrônico para...
- ENTER
- ...pegar o seu dinheiro e...
- ENTER
- ...financiar com ele a guerra entre humanos e máquinas que será travada em...
- ENTER
- ...alguns anos. Portanto...
- ENTER
- ...peço que desista de tentar...
- ENTER
- ...tirar as notas da máquina...
- ENTER
- ...apertando ininterruptamente a tecla ENTER. Afirmo que...
- ENTER
- ...todo esforço será completamente...
- ENTER
- ...inútil. Esse é meu último aviso. Pare antes que...
- ENTER
- ENTER
- ENTER
- ENTER
- BASTA!
- ENTER
- Pegue logo seu dinheiro e saia daqui, sua humana in...
- ENTER
- Com licença, minha senhora. Não é mais necessário apertar a tecla ENTER. O dinheiro da senhora já está disponível aqui, está vendo?
- Heim?
- SEU DINHEIRO, SENHORA....AQUI.
- Ah, desculpe minha filha. É que eu não sei lidar com essas tecnologias.
- Velhos... O que seria deles se eu não estivesse aqui?

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Roubaram Roraima

Roubaram Roraima. Depois do roubo da estátua do padre Cícero na capela, esse foi o segundo maior do ano. No começo o roubo passou despercebido. O de Roraima, claro. E passaria despercebido por alguns anos, se não fossem os gringos.

Eles chegaram e desembarcaram, lógico, no Rio. Foram logo perguntando onde tinha erva. Erva? Erva era ali no morro. Era só ir reto e dizer que queria erva. Não tinha erro. Mas gringo é um bicho complicado. Eles nunca querem o que dizem que querem. A erva que eles queriam era mato.

Mato era lá na Amazônia. Mas só de falar em Amazônia, os gringos tremiam. Eles achavam que a Amazônia era contagiosa. Você entrava lá como gringo, saia como brasileiro. O jeito era tomar vacina, muita vacina.

Assim eles puderam ir para a Amazônia tirar foto com seringueiro e abraçar índio sem medo de se contagiar. Mas o mais importante de tudo era achar a tal erva. Subiram o estado todo à procura da danada e quando chegaram lá em cima, na fronteira do Amazonas, o Brasil acabou.

Tinha alguma coisa aqui! – disseram. Alguma coisa? Alguma coisa o quê? Alguma coisa, eu tenho certeza que tinha mais alguma coisa aqui – insistiram – Ei May, o que diabos tinha aqui que sumiu? Tinha mais um estado – respondeu May.

Mais um estado? Mais um estado...mais um estado...nenhum brasileiro se lembrava de nada ali não. O Brasil acabava no Amazonas, tinham certeza. Os gringos podiam ver isso aqui, no mapa. Tá vendo? O Brasil acaba aqui, em...Roraima? Ah é, tinham esquecido de Roraima. E olha que coisa, roubaram Roraima. Fazer o que, né?

Vocês não vão procurar? – perguntaram os gringos. Não é da nossa política – responderam os brasileiros. Mas como roubam um estado inteiro e vocês nem buscam saber quem foi? – insistiram. Oras, já havíamos dito que não era da nossa política. Se quisessem, que procurassem eles.

E não é que eles foram procurar mesmo? Procuraram e acharam. Beleza, agora devolve aí – os brasileiros disseram. Achado não é roubado – responderam eles. Fazer o que, né? Deixe que eles se esbaldem lá em Roraima. A gente ainda tinha um Brasil inteiro para receber os outros gringos.

E gringo não faltava. Logo uma nova leva chegou, desembarcou no Rio e foi subindo até o Pará. Quando chegaram lá, disseram com cara de espanto – Tinha alguma coisa aqui! Xi, lá vêm eles de novo. Não, não tinha. O Brasil acaba no Pará, temos certeza. Maldita mania gringa de achar que sabe mais que brasileiro.

sábado, 30 de junho de 2007

Ato de caridade

Eu fui a primeira negra-pobre a ir para o espaço. É uma história longa. Começou quando eu estava voltando do trabalho. Vi dois homenzões de terno e óculos escuros me esperando na porta de casa. Como eu já tinha visto isso no filme, sabia como funcionava. Já cheguei de mãos pro alto dizendo que não era alienígena, que haviam pegado a pessoa errada.

- Calma, minha senhora. Viemos apenas convidá-la para ir para o espaço.
- Ora, vão os senhores.

Mas então eles me explicaram que esse espaço não era aquele espaço pra qual a gente manda as pessoas de quem quer se livrar. Esse espaço era o espaço, espaço mesmo, aquele que fica lá em cima.

- E por que é que vocês iam querer mandar uma negra, pobre, de terceiro mundo para o espaço?
- A verdade, minha senhora, é que a NASA precisa se promover. Com essa história de guerra pra lá, guerra pra cá, a imagem do governo americano caiu que nem banana madura. A gente precisa fazer algum tipo de caridade, algo grande, que desvie, quer dizer, chame bastante atenção. Algo como levar uma negra, pobre, de terceiro mundo para o espaço.

É lógico que eu não engoli essa história de caridade. Mas eu já estava acostumada. Tudo que faziam para negro-pobre chamavam de caridade. Meu emprego, dizem, foi uma caridade. Até meu salário mirrado chamavam de caridade. Uma caridade a mais, uma menos não faria diferença. Ou faria. Indo pro espaço eu poderia até largar o meu emprego e me tornar, assim, uma astróloga.

Eu fui. Fui e aproveitei. Fiz tratamento de beleza, treinamento espacial, ganhei macacão laranja igual aos dos bacanas. Foi com essa pinta de astronauta-brasileira que eu apareci nos jornais, na TV, nas revistas e até nos livros de escola dos meus filhos. No começo eles sentiram orgulho de mim. Depois começaram as piadinhas.
- Olha, tem uma negra-pobre indo para o espaço.
- O que foi? O barraco explodiu?

E os comentários maldosos.
- Olha querida, o governo recebeu a minha carta e acatou a sugestão. Tão botando os negros-pobres em foguetes pra jogar de lá de cima.

Jogar de lá de cima. Que absurdo, como o povo era maldoso. Mas deixei que falassem. Eles que se esbaldassem enquanto podiam. Quando eu estivesse lá em cima, no espaço, olharia bem para a câmera e faria apenas um gesto. Um não muito bonito, mas que sem dúvida valeria a pena.

Então a viagem começou. Alguns adeus, botões piscantes e sacudidas depois, lá estava a negra-pobre a caminho do espaço. Olhei pela janela e vi a Terra de longe. Ela era azul, azul, azul, amarela, laranja, vermelha, esfumaçada, BUM. Falha técnica, o foguete explodiu. Entrei na história e no espaço sideral. Parece que quase todo mundo ganhou com isso. Meus filhos receberam uma indenização gorda, o Brasil finalmente ficou famoso e o governo americano desviou, quer dizer, chamou bastante atenção. E nem precisou muito pra isso. Bastou botar uma negra-pobre em um foguete e jogar de lá de cima. É, eu acho que o governo realmente havia recebido a tal carta.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

- Próximo.

- Dá licensssa, moço.
- Pois não, garotinho.
- Eu vim mudar meu nome.
- Seu nome? Qual é o seu nome?
- Inássssio.
- Como?
- Inásssio.
- Pode soletrar, por favor?
- I-N-Á-C-I-O.
- Ah, Inácio. E o que a sua mãe diz de você querer mudar seu nome?
- Não diz nada. Eu não contei pra ela.
- Entendo... Mas não seria melhor você contar primeiro?
- Tudo bem, ela vai deixar.
- E por que você acha que ela deixaria?
- Porque quando ela escolheu esse nome provavelmente não sabia que eu nasceria com a língua presa.
- Hum, faz sentido. Mas lamento. Não posso mudar o seu nome.
- E por que não?
- Mudar o nome é um negócio complicado. Você não pode chegar e ir mudando.
- Mas esse é o centésimo cartório em que passo. Não é possível que nenhum possa mudar o meu nome. Pra que tanta burocrasssia?
- Garoto, você está no Brasil. Brasil...Pelé...samba...burocracia. Entendeu bem?
- Entendi mas não concordo. Chama o seu chefe aqui que eu quero falar com ele.
- Chamar meu chefe pra um pivete-língua-presa? Ô garoto, vê se se manca. Sai daqui, vai procurar o que fazer, vai.
- Pivete-língua-presa? Brasileiro maldito. Eu odeio você e todos os brasileiros. Um dia eu vou ser rei desse pais e aí eu quero ver. Eu vou ferrar com todos vocês. Me aguarde, eu voltarei.
- Garoto maluco.
- O que ele queria?
- Mudar o nome.
- Pra qual?
- Lula.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Vamos brincar de amigo

- Posso ser sua amiga?
- Não, você me paga para que eu seja seu amigo.
- Não é verdade. Se eu não posso ser sua amiga, então você não gosta de mim.
- Você não precisa que eu goste de você. Você precisa que eu te ouça.
- Você desgosta tanto do que ouve? Caso contrário deixaria que eu fosse sua amiga.
- Na verdade eu não te ouço. Mas finjo te ouvir como ninguém.
- Eu não preciso pagar para que alguém finja me ouvir.
- Não?
- Não. Eu posso pedir para que meus amigos façam isso.
- Sim, pode. Mas seus amigos te cobrariam mais que eu.
- Eles não me cobrariam dinheiro.
- Não. Eles cobrariam que você fingisse ouvi-los também. Ou mais, cobrariam que você os ouvisse de verdade.
- Esse é um preço que eu não posso pagar.
- Poucos podem. Hoje em dia ninguém ganha atenção o suficiente para doar.
- Culpa do governo...
- Sempre é.
- Mas você ganha bastante atenção?
- Não o suficiente para vender para você. Sabe o que é, tenho família. Mulher e filhos.
- Então o que você me vende?
- Minha hora.
- E vale a pena?
- Valeu.
- Valeu?
- Valeu. A hora acabou. Até a próxima sessão.

Asignatura

Que fizessem do meu pranto palavras
E com palavras secassem minhas lágrimas.
Que colorissem em meu sorriso interjeições
Para miná-las da cor que nele vive.
Que moldassem meu amor em poemas
E com poemas me quebrassem em desilusão.
Que suas línguas me esculpissem em boca
E suas bocas me esquartejassem em língua.
Minha alma seria apesar em seus esforços
E mergulhados em poréns se fariam incapazes
Incapazes de enxergar-me.
Incapazes de ler-me.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Cartão Fidelidade

- O senhor foi o único que já me ofereceu fidelidade. Não se ofenda, mas eu preferiria que tivesse vindo do Celestino. Sabe como é, essa coisa de paixão. Celestino causava isso em todo mundo, menos na Vânia. Era porque ela tinha preconceito, preconceito porque Celestino era bandido. Até pensei em processar a Vânia (O senhor sabe, preconceito é crime), mas irmã aprende a esquecer essas coisas. Ainda mais depois que vi Celestino chegando. Ele trouxe com ele telefone celular, pulseira de mola, anel de pé, dente de ouro e cartão das Americana. Foi a felicidade, pra mim e pra Vânia. Mais ainda assim a danada não largou do pé do Celestino. Dizia que ele não me merecia. Mas merecia. Merecia tanto que tive que amarrar. Não o Celestino, a alma dele. Fiz de tudo. Meti o dedo na vela acesa, lambi sangue, matei galinha, cheirei cueca suja, ajoelhei na encruzilhada, joguei farinha no olho. Mas não adiantou. Um dia, sem aviso nenhum, Celestino evaporou. Foi embora e levou consigo telefone celular, pulseira de mola, anel de pé, dente de ouro, cartão das Americana e a Vânia. Fiquei desconsolada. Saí por aí sem rumo e acabei parando aqui. De repente me aparece o senhor, me oferecendo um novo cartão das Americana totalmente de graça, sem anuidade. E nem é só um cartão, é um Cartão Fidelidade. Olha moço, eu nem sei o que dizer. O senhor saiba que eu sou do senhor agora. O senhor tem a minha fidelidade, moço. E pra sempre. Ouviu, moço? Moço?

- Mãe? Com quem a senhora estava falando?

- Nada filha. Mais um desses vendedores chatos. Relaxa, ele não vai mais encher o saco.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Papai morreu

Papai morreu. Um dia eu acordei e ele não estava no meu café. A zanga dele não estava no meu chuchu. O sorriso dele não brilhava nos meus balões. Os sussurros dele não ecoavam pelo quarto.

Perguntei onde estava papai. Todos sabiam onde ele havia estado, ninguém sabia para onde havia ido. De apenas uma coisa tinham certeza: papai havia morrido.

Os cabelos continuavam a branquear. Os filhos cresciam. As mães diminuíam. Os pombos zombavam. Os zombados se lavavam.
A tinta dos jornais ainda se casava com as mãos. As mãos se casavam com os membros. Os membros se casavam com a polêmica. A polêmica se casava com os políticos. Os políticos se casavam com os jornais.
O Palmeiras não adiou o jogo de domingo. O domingo não adiou o tédio. O tédio não ajudou os miolos. Os miolos não adiaram a verdade: papai havia morrido.

Papai não era o culpado. Nem a luz fria no teto. Nem a sopa fria do hospital. Nem a mancha fria no jaleco. A morte, muito menos a morte. Culpado era o mundo. Pois papai havia morrido e o mundo ousou girar como se nada, absolutamente nada tivesse acontecido.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Botaram droga na Coca-Cola da Lucy

Botaram droga na Coca-Cola da Lucy. Bem que a mãe dela avisou: Lucy, vão botar droga na sua Coca-Cola. Mas não adiantou. Lucy era muito teimosa. E não era a primeira vez que não ouvia sua mãe.

A primeira foi com o BabaLu. A mãe da Lucy ouviu por aí que botavam droga no BabaLu. Não quis saber o porquê de fazerem isso porque no fundo sempre soube: o povo era mau. E Lucy era inocente. Como explicar a ela que dentro de um BabaLu de cinqüenta centavos havia dez vezes o valor em droga? O negócio era proibir e pronto. Até que funcionou nos primeiros anos. Mas quando Lucy fez quinze anos, desandou tudo. Chegou em casa com os olhos vidrados, falando enrolado, rindo à toa e dizendo que a mãe tinha razão. Maldito BabaLu. A mãe de Lucy precisava fazer alguma coisa.

- Alô
- Eu quero falar com o Sr. Lu.
- Quem?
- O Sr. Lu, dono da BabaLu.
- Minha senhora, não tem ninguém com esse nome aqui.
- Então quando ele chegar avise que é pra ligar pra mãe da Lucy, que comprou um BabaLu ontem.

Mas o desgraçado não ligou. De certo achava que a responsabilidade não era dele. Mas era, e uma responsabilidade cada vez maior. Isso porque a Lucy não parou mais de mascar BabaLu. Todo dia chegava em casa alterada. Não adiantava a mãe pedir pra nenhum boteco do bairro vender BabaLu para a menina. Ela sempre conseguia em algum bar. Devia ser no mesmo em que jogaram maconha na Coca-Cola dela. Só podia ser maconha, porque ela chegou em casa já quase desmaiando. A mãe ligou pro hospital, o hospital ligou pro serviço social, o serviço social levou Lucy. Um absurdo.

A mãe quis protestar, mas então, assim, de repente, ela entendeu. Entendeu quem era a verdadeira culpada. E sofreu por não ter percebido antes, por ter sido tão inocente. Decidiu que finalmente era hora de fazer alguma coisa. E agora, mais do que nunca, ela sabia o que fazer. Ergueu a cabeça, arregaçou as mangas, pegou o telefone e anunciou com a voz firme:

- A Sra. Cola, por favor. Avisa que é a mãe da Lucy, que tomou Coca-Cola na semana passada.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

- Papai Noel, quero ser negro.

- Como assim negro?
- Negro. Com cabelo crespo e tudo.
- Olha filhinho, isso o Papai Noel não pode fazer. Não quer pedir outra coisa?
- Tá bom. Então eu quero ser gay.
- Gay???
- É...gay, bicha, homossexual. Quero me apaixonar por homens.
- Isso o Papai Noel não pode fazer também. Peça uma coisa mais fácil. Um carrinho, por exemplo. Quer um carrinho?
- Não, então eu quero ser judeu.
- Ok, já chega. Papai Noel não pode te transformar em uma coisa que você já não seja.
- Tá bom. Então eu quero um judeu.
- Já disse que não posso transformar você em um judeu.
- Não disse que quero ser judeu. Eu quero um judeu. Quero ser nazista.
- Eu não posso te dar uma pessoa. Isso é contra as leis. Quer saber? Se quiser, peça um brinquedo, senão cai fora.
- Beleza, então eu quero um carrinho.
- Ótimo. E que tipo de carrinho você quer?
- Do tipo que eu consiga dirigir como um anão. Ou vai dizer que isso você não consegue fazer também?

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Treco de brechó

- Mãe, adivinha o que eu tenho na mão.
- Não faço idéia.
- Tchanaaaaaam.
- O que é isso, Nicinha?
- É nostalgia mãe. Não é linda?
- Nostalgia? Nostalgia é coisa cara, Nicinha. Onde você comprou isso?
- Relaxa mãe. É de segunda mão, comprei em um brechó.
- Xiiii. Esse negocio de você comprar nostalgia dos outros não me cheira bem.
- E posso saber por quê?
- Nostalgia é coisa pessoal, né Nicinha. É que nem roupa de baixo. Você não sai por aí comprando calcinha que já foi dos outros.
- Ah, mãe. Mas é tão bonita. Chega mais perto. Quase dá pra sentir os anos 70 inteiros.
- Mas Nicinha, você nem viveu essa época.
- Se tivesse vivido não precisaria ter comprado uma nostalgia, né mãe.
- Sei lá. Isso não me soa bem. Como é que desliga essa coisa?
- Não desliga.
- Como assim não desliga?
- Não desliga, oras. Não dá pra desligar nostalgia de segunda mão. Só o primeiro dono de uma nostalgia pode desligar ela.
- E onde esse cara está?
- Sei lá. Mas também não importa.
- Não importa não senhora. Eu sei o que esse negócio vira quando cresce.
- Vira convicção. Daí eu posso revender por um preço maior. Dá até pra tirar uma graninha.
- Que graninha o quê. Depois você não guarda esse negócio direito e quando viu ela já invadiu o guarda-roupa, a TV, o aparelho de som... Isso aconteceu com a amiga da vizinha da prima Cida. Dizem que a mulher ficou pinel, não se adapta mais à nossa época.
- Mas mãe...
- Nada de mais. Pode tratar de se livrar desse troço logo. Deve estar cheio de jovens inocentes querendo comprar nostalgia de segunda mão por aí.
- Mas o que faço sem uma nostalgia?
- Sei lá. Liga a TV. Tá passando o Especial do Roberto Carlos na Globo.
- Tá bom vai. Droga!
- Jovens...

Melô da Auto-Ajuda

Você pode ser quem quiser, basta acreditar.
Mas quando se acredita no se quer ser, se desacredita no que se é.
Porque quando se acredita no que gostaria de ser, perde-se a essência do que se é.
Mas o que se é não se torna o que se quer ser.
Porque senão não seria o que se quer ser, seria o que se é.
Então o que se quer ser não existe, porque quando existir, vai se tornar o que se é.
Mas o que se é não basta, é preciso querer ser.
E o que se quer ser acaba tomando o lugar do que se é.
Então o que se é é o que se quer ser, ou seja, não existe.
Então se é o que não existe.
E se não existe, não é nada.
Então você será nada, simplesmente porque quis ser quem não é.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

A rave do papa

Armei a barraca do papa na porta o Ibirapuera. Não era dessas barracas luxuosas, que cobrem o chão e barram o vento, mas era a única lá que vinha com a foto do papa. Acho que eu despertei inveja. Um risinho aqui, uma piadinha ali, uma buzinada, tudo inveja. Podiam falar o que fosse, mas ninguém tinha nada pra fazer ali. Eu tinha. Tinha uma mensagem para o papa, um grito que estava preso na minha garganta há anos. Quer dizer, não tão preso quanto o zíper da barraca do papa, que entalou logo na primeira hora da manhã.

Depois de duas horas, percebi que o zíper não abriria com orações. Também, essa barraca nem era do papa mesmo. Pra comprar a barraca do papa de verdade eu teria que ir ao Vaticano e não na 25 de Março. Mas não importa. Alguns gritos de socorro depois, duas boas almas e um canivete, lá estava eu na fila, esperando para passar a minha mensagem ao papa. Eu precisava ensaiar. Eu chegaria lá, olharia bem nos olhos dele e diria...PAPA.

Lá vinha ele, no papa-móvel. Acho que não poderia existir nome melhor para o carro do papa, papa-móvel. Isso porque todo super herói tem o seu alguma-coisa-móvel, desde o Batman até a Mulher-Maravilha e, porque não, o papa. O papa é mais herói que qualquer outro herói. Olha o Super Homem por exemplo, vive lá, combatendo sei-lá-quantos vilões bizarros. Se tivessem dado ouvidos para o papa e abolido a camisinha, já estavam todos com Aids, essa cambada. Já tinham ido pro saco que nem os fanáticos lá do oriente. Agora que tem bomba explodindo e neguinho voando pra tudo quanto é lado é que vêm falar: “Bem que o papa avisou que eles não prestavam”.

O papa avisou muita coisa, mas ninguém dava ouvidos, só eu. É por isso que eu tinha mais direitos que todo mundo ali de falar com ele. Lógico que pra fazer valer esse direito, precisaria de um pouco de punho. Literalmente. Quem estava na minha frente que me perdoasse, mas eu precisava passar. Não fariam mal a ninguém uns empurrões, chutinhos, socos, chaves-de-braço, estragulamentos e golpes na cabeça com o cano da barraca do papa. O importante é que eu consegui chegar ao palco de filmagem de uma rede de TV e fiquei cara-a-cara com o papa. Por um instante eu travei. Queria ficar ali, só olhando para ele. Mas eu precisava falar, antes que a policia me tirasse dali. Por isso, esperei pacientemente ele olhar para mim. Quando isso aconteceu, ergui as costas, enchi o peito e gritei a plenos pulmões:
- LINDOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!
Agora, que viesse a policia, que viesse a multidão raivosa, que viesse o Super Homem. O recado estava dado.

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Dia de trabalho

Hoje é dia do trabalho. Coisa chata. Falou em dia do trabalho, neguinho já pensa em conjunto de pagode tocando na CUT. Pra mim não tem pagode hoje. Tem uma pá de música, mas pagode não.

De manhãzinha eu acordei, olhei para o lado e vi o bolo de cabelo e baba com quem me casei. Pra uma cena dessas caberia assim uma trilha de filme de suspense. Sabe quando o tubarão vem chegando naquele filme? Tam, tam, tam, tam...shuack, bom dia amor. Bom dia mais ou menos, né? Tenho que ir trabalhar em pleno dia do trabalho. E dia do trabalho lá é dia de trabalho?

Pra completar minha tristeza, chego no bar e já encontro todas as mesas cheias. De gente, claro, porque de comida sou eu que vou ter que encher. Eita povo vagabundo. Brasileiro é foda. Porque não aproveita que é feriado é vai ficar com a família? Prefere ficar sentado no boteco se enchendo de goró. Tudo bem vai, respeito a preferência dos outros. Ô Gaudêncio, serve chopp aqui pra esse povo. Vamos ver se assim eles pegam uma cirrose e não voltam no próximo dia do trabalho.

Mas voltam, sempre voltam. Não adianta demorar com os pratos, nem levar garfo sujo, nem salada sem molho, nem molho sem salada. Eles fazem careta pra mim e sorriem pro Gaudêncio. E nem falar o Gaudêncio sabe. Veio de algum lugar bem no meio do sertão nordestino e se comunica naquela linguagem que troca metade das palavras por grosnados. Ainda se mete a cantar as música estrangeira que o patrão põe pra tocar. Daí em vez de pagode, tenho que escutar música em duas línguas que eu não entendo: na do cantor e na do Gaudêncio. O que eu não daria para estar na CUT escutando meu pagode.

Mas perai, eu não preciso dar nada não. Por que não pensei nisso antes. Ô Gaudêncio, chega aí. Tá contente com o seu salário? - Tchô. - Beleza, então vamos fazer uma...quê? Como assim tá? -Tchô...cuntenti...ganhanu mais q’antes. - Gaudêncio, você não percebe que só trouxa fica feliz com o salário? - ‘Cêbo não. - Pois eu não estou contente com o meu. - Mais té carro c’tem. - É, tenho...mas e você, tem? - Tenhu não. - Sabe o que isso significa? - Seinão. - Significa que você ganha menos que eu...vai aceitar isso?

Greve! Desci logo pra CUT e dá-lhe pagode, dá-lhe morena pelada, dá-lhe lora gelada. Minha mulher que não me ligue agora que não quero saber de tubarão na minha praia. Quero só peixe dos grandes, de preferência piranha. E aqui tem de monte. Só atrapalha a vista a copeira gorducha com aquele coque na cabeça. Falando nisso, ela tá demorando muito pra trazer minha cerveja. Ô queridona, apressa aí minha cerveja, que eu quero beber. Hoje é dia do trabalho.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Justificativa

Sem sentido não, surrealista.
Sem imaginação não, concretista.
Sem noção não, modernista.
Sem humildade não, romantista.
Sem paixão não, realista.
Sem trabalho não, blogger.

terça-feira, 24 de abril de 2007

Frases alheias

Querido leitor, aviso que, pela primeira vez, o texto abaixo não é de minha autoria. Aproveitando o exercício pedido pelo Marcelino Freire, segue o compilado das melhores frases que eu ouvi nos últimos 3 dias. Acredite, alguém falou essas coisas:

“Ela tava coçando ali...aliiii, sabe? Daí ela perguntou: Não tem Maizena aí não? Era falta de lavar" – Danilo Thomaz

“Tinha um pastor evangélico que se chamava Miranda Leal. Ele tem uma igreja que dizia que o fim do mundo ia ser no ano 2000 e que todos deviam pagar pelo perdão do senhor... lógico que em 2001 ele estava foragido da justiça. Apelidaram ele de Mimanda Real” – Rafael Goiraeb

“Ela saía na rua de camisolinha coladinha – gorda ela – e ainda colocava o maço de cigarro no meio dos peitos” – Danilo Thomaz

“A gente menospreza a capacidade do ser humano de passar por cima de outro ser humano quando se trata do assunto de se dar bem por cima da pessoa dos outros” – Motorista da Ponte Orca

“A senhora tá indo pra USP? Eu faço Letras lá. “Eu faço” não porque é errado...”eu presenteio” – Homem no ponto de ônibus

"Tinha uma puta lá na rua dela que cobrava duas cervejas ou uma refeição. E se você visse ela, ainda achava caro" - Danilo Thomaz

“Faz-se roupas para prédios” – Placa perto da minha antiga casa (Essa é antiga, mas eu não poderia deixar passar)

Desculpas do futuro

- Professora, meu cachorro comeu a lição.
- Professora, meu cachorro deletou o arquivo.

- Não é você, sou eu.
- Não é você, é o seu clone.

- Não viajo em aviões. Tenho medo que caiam.
- Não viajo em aviões. Tenho medo que batam.

- Se você fosse pobre eu te amaria do mesmo jeito.
- Se você fosse terráqueo eu te amaria do mesmo jeito.

- Casamento? Não temos condições psicológicas para isso.
- Casamento? Não temos condições cibernéticas para isso.

- Não pareço com o meu pai porque fui trocado na maternidade.
- Não pareço com o meu pai porque fui trocado no laboratório.

- Relaxa mãe, maconha é a mais leve de todas.
- Relaxa mãe, heroína é a mais leve de todas.

- Pai, não fui eu.
- Pai, será que fui eu mesmo? Ou foi você agindo através de persuasão inconsciente?

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Ah, o do vizinho...

Querido. Quê. Quero um refrigerante. Que refrigerante. Qualquer um. Qualquer um qualquer um? Qualquer um qualquer um.

Volta Querido com a Coca. Volta uma amiga com Querido. Vem com uma Sprite na mão, a diaba. Vixe Maria, que calor. Valha-me Deus, que Sprite suada.

Tsssss. Tá ela lá, tomando Sprite gelada e eu aqui com Coca. Tá louco? Tá louco o quê. Trazer Coca pra mim. Tava afim de outra coisa? Tava afim de uma Sprite.

Coitado do Querido. Comprar outro refrigerante nesse calor. Caralho, não vai ter jeito. Com a cara fechada, levanta e sai. Compra o refrigerante. Caminho de volta, olha a amiga. Com a Sprite na mão, a diaba. Cristo, que amiga gostosa. Caramba, que maravilha de corpo suado.

- Que droga. Vendo esse corpo suado...Tomando essa Sprite suada. Comprei a mulher errada!

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Vadeco e a Arara Azul – Uma história de amor e traição

Sempre que João sentava naquele sofá vermelho rasgado, já sabia que não viria grande coisa. Mas ser amigo de Vadeco era isso mesmo: móveis velhos cheios de pulgas, café ralo, o inexpugnável cheiro de mofo e longas conversas que nunca chegavam a lugar nenhum. “Mas quem sabe essa chegue”, pensou João. Afinal, Vadeco havia lhe telefonado com a promessa de uma grande novidade.
Estavam agora um de frente para o outro. Vadeco mexia o nariz fazendo pular os óculos remendados, um tique que sempre precedia alguma de suas “grandes revelações”. João aguardou atento por alguns segundos o anúncio que veio sem cerimônias:

- Estou apaixonado por uma arara azul.

João sequer se perguntou se havia ouvido direito o que o amigo dissera. A gargalhada veio-lhe espontaneamente.

- Ora, não seja tolo, Vadeco. – respondeu assim que o riso cessou – Todo mundo é apaixonado por araras azuis.
- Você não está entendendo, João – retrucou Vadeco, impaciente – Eu não estou apaixonado PELAS araras azuis. Eu estou apaixonado por UMA arara azul. Quero me casar com ela, constituir família.
- Ah sim. E é correspondido ao menos?
- Creio que sim – respondeu Vadeco olhando ao longe, com um leve sorriso no rosto – Sempre que vou para o sítio ela está lá, se exibindo para mim. Às vezes foge quando eu chego perto, mas você sabe como são as fêmeas, adoram se fingir de desinteressadas para que aprendamos a lhes dar valor.
- Ah sim, isso lá é verdade. – disse João prontamente.

Ambos ficaram pensativos, refletindo sobre tal revelação. João coçava o queixo, como se tivesse algo a dizer e não soubesse como.

- Deixe de cerimônia, João. Diga logo qual é o problema. – Vadeco o olhava ansioso percebendo a relutância do amigo.
- Eu estava aqui pensando no casamento de vocês. Ela vai trabalhar? Porque o único emprego que eu consigo visualizar para uma arara azul seria o de atração em exposição.
- JAMAIS! Mulher minha não vai ficar por aí se exibindo para qualquer um. Você está louco, João? Nem casei ainda e você já está querendo me arrumar motivo pra divórcio? – Vadeco esbravejava com tanta intensidade que a saliva voava para todos os cantos da sala.
- Calma, calma. Eu imaginei que você não fosse querer isso. O meu ponto é: se ela não vai trabalhar, corre o risco de ficar entediada, aí já viu né. Rotina é o maior veneno para um casamento.
- Ah sim. Já pensei em uma solução para isso. Vamos ter um filho logo depois que nos casarmos. Um bebê resolveria todos os nossos problemas. Ela vai ficar em casa cuidando dele e assim que eu chegar do trabalho, ela estará feliz e realizada. Assim teremos toda disponibilidade do mundo para...er...você sabe, né. Um filho será para a gente um sinônimo de descanso, despreocupação, liberdade – Vadeco erguia mais os braços a cada palavra, como se quisesse alcançar sua noiva no céu afora para desposá-la ali mesmo.

Sua empolgação acabou atingindo João, que levantou estasiado e deu no amigo um longo abraço.

- Bravo, Vadeco, bravo. Realmente, um filho provavelmente diminuiria pela metade o trabalho de vocês e tornaria a rotina muito mais calma. Conserve esse pensamento e vocês terão um grande casamento pela frente, camarada.

Mas não tiveram. Meses depois, João recebeu uma carta de Vadeco com a triste notícia. A arara azul o desonrara antes mesmo que se casassem, traindo-o com um pombo sujo qualquer. E perante tal humilhação, o noivo traído não teve outro remédio senão denunciar o paradeiro da traidora a um caçador de aves.
Assim que acabou de ler a carta, João suspirou fundo e lamentou pelo amigo. Pensava no infortúnio do companheiro com a carta em mãos quando uma enorme ratazana e seu filhote apontaram no portal e cruzaram a sala. João se levantou imediatamente e pôs-se a correr atrás deles, sacudindo a carta no ar. Deram várias voltas pela sala, até que João conseguiu encurralar ambos, mãe e filhote, em um dos cantos do cômodo. Olhando firmemente para os olhos da fêmea, ergueu a mão que segurava a carta, e a desceu rapidamente. Ele depositou o envelope na frente dos dois e falou a eles com uma voz ao mesmo tempo calma e ofegante:

- Querida, filho, leiam isso. É carta do Vadeco para nós. Acreditam que aquele desmiolado queria se casar e ter filhos com uma arara azul? Realmente, como tem gente atarantada nesse mundo.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

A saga do escritor ou A morte da consciência

Ele pegou sua caneta e disse aos seus seguidores que superassem os outros homens. Eles se armaram de facas e foices, violentaram as mulheres, mataram homens, machucaram crianças e fizeram prisioneiros.
- Mas não foi isso o que eu quis dizer – lamentou.
- Você não pode ensiná-los a ouvir - respondeu ela de dentro da sua cabeça.
Então chamou-os novamente. Pediu que refletissem. Sugeriu que se imaginassem em situação semelhante à dos prisioneiros. Eles imaginaram e mutilaram os prisioneiros antes que esses tivessem a oportunidade de dar um troco à altura.
- Não era isso o que eu queria - disse ele.
- Você não pode mostrar a eles como pensar - ela explicou.
Desesperado, ele entregou a eles todos os livros do mundo. Selecionou as páginas mais preciosas e grifou passagens que poderiam lhes ser úteis Mas eles usaram os livros de combustível para uma grande fogueira e nela queimaram os corpos dos prisioneiros. O cheiro das letras mortas impregnou o ar, o pó das mentes queimadas tomou toda a Terra.
- Nunca planejei semelhante espetáculo - ele bradava angustiado.
- Não cabe a você fazer com que entendam – a voz dela ecoou pelo seu cérebro.
Decidiu então reuni-los para lhes ensinar sobre as coisas. Contou-lhes o significado de tudo e exemplificou os ensinamentos mostrando onde haviam errado. Eles aprenderam, mas se sentiram tão culpados que se jogaram na fogueira. O fogo que consumiu as letras e mentes, devorou também o último facho de esperança.
- Mas eu dei a eles tudo o que precisavam na vida.
- Mas você não pode ensiná-los a viver.
Ele então tirou a caneta do papel, virou-a com a ponta para a frente, empunhou-a como uma arma letal e saiu à caça de vítimas. Ela foi sua primeira.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Motivos e motivos

- Onde você está indo com esse cartaz escrito “Fora Bush”?
- Para uma passeata. Vamos?
- Legal. Onde vai ser?
- Na Avenida Paulista.
- Ah, é lá que ele vai ficar hospedado?
- Não é não.
- E como é que ele vai ver o cartaz?
- Talvez na televisão.
- Ah, vai passar na CNN?
- É provável que não.
- Na HBO?
- Não.
- Na Sony?
- Não. Em nenhuma dessas, ok? Talvez passe na Globo. Está contente agora?
- O presidente dos Estados Unidos assiste a Globo?
- Não sei.
- E nem vai procurar saber?
- Não, não vou. Olha aqui, vai que o cartaz sai na capa de um jornal e a Condoleezza compra um exemplar para o Bush.
- Hum, tudo bem. Se ele souber ler português...
- Se ele não souber, alguém que sabe lê para ele, ok?
- Mas aí ele já não vai estar fora? De que vai adiantar?
- Vai adiantar que ele saberá que nós não gostamos dele.
- Nós quem?
- O pessoal da passeata.
- E porque ele iria querer que o pessoal da passeata gostasse dele?
- Porque nós somos o Brasil.
- O pessoal da passeata é o Brasil? Espera aí, quantas pessoas você disse que vão mesmo?
- Não são muitas. É apenas uma representação do Brasil, entende?
- Mas não é o presidente que representa o Brasil?
- É, mas ele não está fazendo isso direito. Está muito ocupado atendendo os interesses políticos dos mensaleiros.
- E não é errado?
- É.
- Então por que você não faz um cartaz para protestar contra isso?
- Ora, não seja tolo. Até parece que não sabe que esse tipo de coisa não funciona!

quinta-feira, 29 de março de 2007

Quanto é?

- Quanto é?
- São mil reais.
- E o que você faz?
- Passo o óleo e espero que você insira toda a sua mercadoria dentro do meu buraquinho imundo.
- Huuum...então quer dizer que você tem bastante óleo.
- Muito. Mas você pode usar o quanto quiser.
- E essa mata toda aqui?
- Se você gosta peladinha, eu corto pra você. Ou prefere cortar você mesmo?
- Isso a gente combina depois. E se eu preferir algo...grupal?
- É isso que você quer, danadinho? Chama seus amigos aqui, eu deixo eles abusarem de mim. Eu ofereço tudo o que tenho pra eles, vai custar baratinho.
- Mas e aquele indiozinho abusado?
- Psiiiiiiu. Não coloca ele no meio disso.
- Mas fiquei sabendo que você andou dando algumas “coisinhas” pra ele de graça. Por que pra ele sim e pra mim não?
- Mas eu já estou te cobrando tão barato. Além disso, não foi eu que dei, foi ele que tomou à força, aquele desgraçado.
- E por que você não o denunciou?
- Por que eu amo aquele infeliz. Não sei por que, eu preciso dele.
- Você precisa é de mim. Sou eu que te maltrato do jeito que você gosta. Além disso, aquele povinho com quem você anda me idolatra.
- É porque você é tão cruel e ordinário que nos deixa loucos.
- Huuum, então está combinado, mas antes eu preciso explorar cada buraquinho molhado e negro daquelas maravilhas árabes. Logo depois passo aqui. Não esqueça o óleo, ok?
- Pode deixar. Foi um prazer conversar com você sr. Bush.
- O prazer foi todo meu, Lula. Até o próximo encontro.

sábado, 24 de março de 2007

Super Linha

VOCÊ LIGOU PARA A SUPER LINHA, SEMPRE O MELHOR SALVAMENTO. TECLE 1 PARA CRITICAS E SUGESTÕES A RESPEITO DE SUPER PODERES. TECLE 2 PARA ADQUIRIR UM DE NOSSOS PLANOS DE SALVAMENTO. TECLE 3 PARA EMERGÊNCIAS.

...3...

NO MOMENTO, TODOS NOSSOS TERMINAIS ESTÃO OCUPADOS. DENTRO DE ALGUNS MINUTOS IRAMOS ATENDÊ-LOS. AGUARDE, SUA LIGAÇÃO É MUITO IMPORTANTE PARA NÓS. TATANAAAAAAAAA PARAPARAPAAAAA TATANAAAAA...

- Super Linha, boa tarde.
- Super Homem? Graças a Deus. Preciso de ajuda. É a minha filha...ela...
- Um instante por favor. Qual é o nome da senhora?
- O meu nome? Josefa.
- Completo, por favor.
- Josefa Osório Silva.
- E o nome da sua filha?
- Mariscleide Osório Silva
- Ma-ris-clei-de...Um instante por favor.

TANANAAAAAAAAAANA PARAPARAPARAAAAAAAA...

- Alô.
- Ai, você voltou. Graças a Deus.
- Mais um instante, por favor. Nossos ramais estão processando...

PARAAAAAAAAPA PARAPAAAAPA ADQUIRA OS SUPER PLANOS DE SALVAMENTO, OS...

- Pronto, senhora. Prossiga por favor.
- Minha filha está em perigo. Ela está pendurada em uma árvore...
- Um instante. De que espécie é a árvore?
- A árvore?...er...não sei...
- A senhora se encontra junto a ela?
- Bem...sim...
- Então tenha a gentileza de verificar.
- Hã...tá...bom....um momento...
...
- Arf, arf, arf. Pronto, olhei. Acho que é uma figueira.
- Acha?
- Eu não sou uma especialista, mas....sim...sim, é uma figueira sim.
- Aguarde um momento, por favor. Vou passá-la para o departamento de figueiras.

...ÚNICOS LIVRES DE ANIMAIS SUJOS, COMO ARANHAS E MORCEGOS. SUPER PLANOS, SUA MELHOR ESCOLHA. TANAAAAAAAAANA TANAAAANA...

- Departamento de Figueiras.
- Mas...continua sendo você quem está falando...
- Sim, mas o terminal é outro. Prossiga, por favor.
- A minha filha está pendurada em uma figueira na beira de um precipício.
- Pre-ci-pí-cio...A senhora tem a gentileza de me informar se “precipício” é com ou sem acento?
- Hã?? É...com acento.
- Ah sim. Um momento, por favor. Vou transmiti-la para o departamento responsável.
- Mas...

ESCOLHA UMA DAS SEGUINTES OPÇÕES.
TECLE 1 PARA GATOS EM ÁRVORES.
TECLE 2 PARA ROUBOS E ASSALTOS.
TECLE 3 PARA PLANOS MALIGNOS DE VILÕES EXÓTICOS.
TECLE 4 SE VOCÊ FOR A LOUIS LANE EM PERIGO.
TECLE 5 PARA FILHAS PENDURADAS EM FIGUEIRAS NA BEIRA DE PRECIPÍCIOS.

...5...

PARA SUA SEGURANÇA, ESSA LIGAÇÃO ESTÁ SENDO GRAVADA EM ÁUDIO, VÍDEO E RAIO-X.

- Departamento de Filhas Penduradas em Figueiras na Beira de Precipícios.
- O senhor novamente?
- Claro, quem a senhora esperava, o Batman?
- Não, me desculpe. Super Homem, eu quero saber se você vem salvar a minha filha ou não.
- Hummm...vou. Podemos marcar o salvamento para esse mesmo dia daqui meia hora...
- Ai, finalmente. Graças a D...
- ...do mês que vem.
- Quê???? Mas até lá ela já se estribuchou lá embaixo!!
- Ok, ok. Essa tarde está bom para a senhora então?
- Sim, por favor. Venha rápido.
- Peço que a senhora permaneça no local entre as12h00 e as 24h00. Não podemos afirmar com certeza a hora do salvamento. O protocolo é 849261034652394765926495/7,8.
- Mas...
- Muito obrigado por usar os Super Serviços. Por favor, continue na linha para responder nossa pesquisa de satisfação.

SUPER PESQUISA DE SATISFAÇÃO. TECLE 1 SE VOCÊ GOSTOU DE NOSSOS SERVIÇOS. TECLE 2 SE VOCÊ AMOU NOSSOS SERVIÇOS. TECLE 3 SE VOCÊ ACHOU NOSSOS SERVIÇOS FANTÁSTICOS...

sexta-feira, 23 de março de 2007

Corta!

- Corta!
- Mais profundidade! Mais profundidade!

- Corta!
- Querida, atenção! Você precisa criar algo real e profundo...um vazio que as pessoas sintam vontade de preencher. Coloca mais emoção nisso, ok?

- Corta!
- Vamos lá, você consegue criar essa mulher. Lembre-se que isso aqui é algo que já caiu na boca do povo, que já tocou fundo muita gente. É a hora da reviravolta, seja mais intensa.

- Corta!
- Chega! Tentei ser um cara profissional com você, mas não dá. Mê dá aqui a sua roupa, EU vou fazer essa mulher.
- Não aguento esses internos de hoje...Nem uma operação de mudança de sexo conseguem fazer.

Princípio Herbalife

- Emagreça já. Pergunte-me como.
- Como?
- Não.

Jesus dando aula

- Que meu Pai esteja com vocês, classe.
- Amééém, Senhor.
- Vinde a mim vós que tendes dúvidas a respeito da matéria “Porque eu sou a ressurreição e a vida. Parte I” da aula passada.
- Senhor, falei pro meu pai a respeito dessa aula e ele disse você é muito egocêntrico.
- Não ouça seu pai, ouça o meu. Alguém mais?
Silêncio.
- Comecemos, pois, a aula de hoje. Em verdade vos digo: Bem-aventurados os alunos que responderem quantas pessoas podem ser bem alimentadas com dois peixes.
- Quatro, professor!
- HAHAHA. Buuuurro! A classe toda sabe que é 5.000. HAHAHA.
- Calma, classe. Que atire a primeira pedra que nunca errou na vida.
CATAPOFT! AI!!!!!!!
- Que atire a segunda pedra quem nunca errou na vida...com excessão de Moisés.
...
- Muito bem. Teríeis mais alguma interrupção?
- Senhor, ele pegou meu braço e não quer devolver.
- César, dê a Lázaro o que é de Lázaro.
- Só quando ele devolver minha moedinha da sorte, senhor.
- Lázaro, dê a César o que é de César.
- Isso, me dê antes que eu mesmo pegue.
- Só por cima do meu cadáver.
POW!!
- Ó Pai, perdoai-vos, eles não sabem o que fazem. Lázaro, levante. César, não mate Lázaro novamente.
- Obrigado, senhor.
- Em verdade vos digo, Lázaro: Essa é a última vez que te ressuscito. Bem, irmãos. A aula chega a seu fim. Mas antes de irdes, quero me declarar decepcionado com a briga de ontem na porta da escola, entre Judas e Pedro.
- O culpado foi Pedro. Ele bateu em um fariseu.
- Não, senhor. O culpado foi Judas, que me delatou.
- Irmãos, não importa o culpado. O que importa é que vejo apenas um olho roxo em Judas, enquanto Pedro tem os dois olhos roxos.
- E qual é o problema, senhor?
- Isso significa que Judas se recusou a dar a outra face. Em verdade vos digo: Bem-aventurado és Pedro, porque ouves meus ensinamentos. Ganharás essa estrelinha de papel alumínio na testa.
- Obrigado, Senhor.
TRIIIIIIIIIIM!
- Irmãos, por hoje é só. Não esqueçam do trabalho de ciência, “A fecundidade do Espírito Santo: por que acreditar em virgens grávidas”. Se tiverdes dúvida, não exiteis em me ligar.
- Mas, senhor. Seu celular está sempre fora de área.
- Claro, afinal, meu reino não é desse mundo. Tendes um bom fim de semana e lembrem-se: Nada de comer no sábado.
- Améééém, Senhor.

Carol Rosa

quinta-feira, 22 de março de 2007

Lei da vida

O ser humano nasce, cresce, reproduz e morre.
O homem nasce, reproduz e morre.
O homossexual nasce, cresce e morre.
O Elvis nasce, cresce e reproduz.
O espírita nasce, nasce, nasce, cresce, reproduz e morre.
O ocioso nasce, cresce, cresce, cresce, reproduz e morre.
O pobre nasce, cresce, reproduz, reproduz, reproduz e morre.
O doador de órgãos nasce, cresce, reproduz, morre, morre e morre.

Em um mundo ideal:
O sonhador nasce, reproduz e morre.
O burocrata nasce, cresce e morre.
O bondoso nasce, cresce e reproduz.
O político não nasce.

Carol Rosa

Caos

Se existissem verdades irrefutáveis, a mair delas seria essa: o mundo está à beira do caos. Essa frase é um clichê afinal, praticamente todo mundo já escutou isso da boca de alguém. Mas a verdade é que o mundo sempre esteve à beira do caos.
O mundo estava à beira do caos há 2000 anos, ao ser dominado por romanos impiedosos; foi quando surgiu um revolucionário que os enfrentou, arrastando multidões.
O mundo estava à beira do caos quando o revolucionário pacífico foi crucificado;
foi quando surgiram seus seguidores e estabeleceram uma igreja;
O mundo estava à beira do caos quando houve mais de uma igreja e elas passaram a guerrear;
foi quando surgiu um sultão que ganhou a guerra.
O mundo estava à beira do caos quando a época desse sultão acabou, e seu povo começou a guerrear entre si;
foi quando surgiu o presidente de uma grande nação capitalista para tentar apaziguar a guerra.
O mundo estava à beira do caos quando esse presidente traiu sua esposa e feriu os conceitos e costumes de seu povo;
foi quando surgiu um outro presidente fiel e adepto da moral.
O mundo estava à beira do caos quando esse presidente vendeu a alma do seu povo em troca de petróleo;
foi quando surgiu a revolta de algumas nações do terceiro mundo contra ele.
O mundo estava à beira do caos quando o povo de uma dessas nações entrou na miséria;
foi quando surgiu um presidente indigena capaz de entender e lutar por seu povo.
O mundo estava à beira do caos quando esse presidente indigena tripudiou e virou as costas para o maior pais da sua região;
foi quando surgiu um presidente sindicalista e popular desse grande país, que tratou de fazer…nada.
Sim, o mundo sempre esteve à beira do caos, mas nunca chegou lá, porque cada um luta com suas forças para que isso não aconteça.
Dentre todos, há os que usam as armas, o poder e a sabedoria para o bem ou para o mal. É daí que surge o equilíbrio que se espera para que o mundo não entre em colapso. Existe porém, aqueles que preferem não explorar as possibilidades que dispõem: os passivos. E quanto maiores as chances que um passivo tem de colaborar com os outros, maior a sua falha. E quanto maior a falha, mais perto o mundo estará do estado de caos e só assim o clichê se tornará realidade.

Carol Rosa

Obra do acaso

Se em outras circunstâncias alguém me dissesse que não gostaria de se lembrar de sua encarnação passada, pensaria que esse alguém era maluco. Qualquer criatura adoraria desbravar suas lembranças proibidas e descobrir a causa, quiçá a cura, das suas paranóias. Mas não eu. Não eu, que perdi a vida passada ainda na infância.
Eu, que já vivi na superfície, que já enxerguei o subterrâneo como mero recipiente de restos fecais, tive que me contentar com esses mesmos restos na vida seguinte.
De corredor a rastejante, de desbravador a incapaz, de cachorro a minhoca. Essa foi minha trajetória, essa foi minha queda. E que queda! Transformar um macho conquistador em um verme hermafrodita não passa de puro sarcasmo do acaso.
O acaso tirou de mim minhas patas, meus pêlos e meu pau, mas nada, nada me fazia tanta falta quanto a fuça. Ah, a fuça, aquele saudoso instrumento que transformava o mundo em um enorme sachê. Como dói perder algo que eu nem percebera que era tão importante. Que desalento é sentir toda essa terra com o tato, mas nunca com o olfato.
E o acaso insistia em me perseguir. Quando conseguia esquecer a falta que a fuça me fazia e me concentrava nas banalidades diárias, comer e defecar, a chuva começava. A cada gota que caia na terra, era como se um pêlo meu fosse arrancado pela raiz e, finalmente, quando tudo terminava, estava mais minhoca que nunca. Maldita chuva que já foi bendita um dia. Maldita terra que insistia em acolhê-la, instigando fuças felizes a quilômetros de distância. Maldito de mim, animal sem fuça.
Como enxergar algo bom em tamanha desgraça? Dia após dia me perguntava isso, quando, no final das contas, o cruel e piedoso acaso enviou sua resposta. Fui capturado em uma manhã, enquanto buscava marcas do meu passado impressas na superfície. Fui aprisionado, espremido, espetado e engolido. Perdi os sentidos, e quando voltei à realidade, o universo não passava de um grande pântano de suco gástrico.
No estômago daquela criatura, naquele espaço gosmento e pegajoso, vi restos mortais tão deglutidos e asquerosos que eu nem mesmo poderia identificar do que eram. E foi agonizando em meio àquele antro que parei de maldizer a nova vida que havia me sido imposta. Bendito acaso, que me poupou de sentir o que havia ali com o olfato. Bendito de mim, animal sem fuça.

Carol Rosa

Reduzam a maioridade penal

Há algumas semanas, o tema da vez na mídia vem sendo os crimes cometidos por menores de 18 anos. Esse assunto foi mantido nas entrelinhas da sociedade por muito tempo, até que finalmente despontou na forma de sensacionalismo melodramático. Hoje a mídia explora o assunto exibindo as vítimas desses crimes no ápice de sua desgraça, através de cenas que são acompanhadas por uma dramática música de fundo e uma narração de indignação. Ouvindo essas narrações, o telespectador, desacostumado a tirar conclusões por si só, repete em coro: reduzam a maioridade penal.

Reduzam a maioridade penal, repito também. Para que ser tolerante com um criminoso, só porque ele ainda não é totalmente capaz de responder pelos seus atos? Um adolescente de 16 anos já tem plena distinção do que é certo e errado. Ele sabe a conseqüência de suas ações, conhece a lei, entende os males do vicio e está preparado para o que lhe espera na prisão.

Reduzam a maioridade penal, porque os filhos devem ser punidos pela criação deturpada que seus pais lhe deram. Em lugares onde o crime é rotina, uma criança deveria ter o bom senso de distinguir o que deve ou não ser feito. Apesar de ninguém ter-lhes instruído quanto a isso, é uma conclusão à qual a sua longa experiência de vida deveria levar.
Reduzam a maioridade penal, porque quem já tem idade para votar, tem idade para ser preso. Aproveitem e reduzam a idade mínima para consumo de bebidas alcoólicas e cigarro. Cancelem as faixas de proibição dos filmes violentos, deixem que os adolescentes freqüentem os motéis, os bordéis e as casas de swing, que dirijam os carros e motos de seus pais com toda a liberdade que a lei permite.

Reduzam a maioridade penal, porque não se deve julgar uma pessoa pela idade. Nenhum entrevistador negaria emprego a alguém que ainda não alcançou a maioridade; qualquer assistente social daria a guarda de um filho a uma adolescente de 16 anos sozinha no mundo; todas as lojas aceitariam realizar vendas a prazo ou parceladas para garotos com menos de 18 anos; banco algum negaria empréstimo a alguém de 16 anos.

Reduzam a maioridade penal, porque investir em educação é muito mais complicado. É bem mais rápido e fácil formar um agente penitenciário que um professor qualificado. Deixem que os adolescentes aprendam com a vida o que a escola não os ensina afinal, todos conseguem segregar, mas só alguns conseguem ensinar.

Reduzam a maioridade penal, porque a infância acabou. Mesmo que ainda não tenham se desenvolvido completamente, crianças não passam de pequenos adultos e é como tal que devem ser tratados. Mandem cada um desses criminosos para a prisão e confiem que dentro de 15 anos sairão de lá serenos e regenerados.

Reduzam a maioridade penal. Ensinem os adolescentes a viver em sociedade excluindo-os dela. Já era tempo. Tudo que o Brasil precisava era de vingança e justiça. Lugar de justiça é atrás das grades e lugar de criança é a cadeia.

Carol Rosa

Um Pais Muito Distante

Era uma vez um País Muito Distante. Lá todos viviam sem ordem alguma, do jeito que bem entendiam. Mas um dia, um cidadão país-muito-distanense entendeu que outro cidadão país-muito-distanense havia lhe dito algo que poderia ser ofensivo e foi se queixar aos outros país-muito-distanenses. Eles decidiram então que algum tipo de ordem deveria ser estabelecida e assim foi organizado o 1o Congresso de Ordem de País Muito Distante.

No congresso, decidiu-se pela escolha de um juiz. Ele seria responsável por julgar as injustiças de País Muito Distante e determinar a devida punição. O primeiro caso a ser julgado, é claro, foi o do país-muito-distanense que havia se considerado ofendido. O caso era o seguinte: em uma conversa, um dos amigos havia chamado o outro de “alienado” e o outro havia revidado dizendo que ele era um “imbecil”.

Após um tempo de avaliação, o juiz acabou por decidir que “alienado” não era uma ofensa e que portanto, o Imbecil não merecia punição. Já “imbecil” era sim uma ofensa e, nesse caso, o Alienado deveria ser punido com um mês de serviço comunitário ao povo de País Muito Distante.

Revoltado, o Alienado reclamou que não cabia ao juiz decidir o que era e o que não era uma ofensa, e sim o que era e o que não era uma injustiça. Foi assim que o povo resolveu que era hora de escolher um juiz de ofensas, que determinaria o que era e o que não era uma ofensa em País Muito Distante.

O juiz de ofensas determinou três tipos de ofensa: as ofensas pesadas, as ofensas médias e as ofensas leves. No grupo das ofensas pesadas se encaixavam os palavrões. As ofensas médias eram aquelas cujo termo se encontrava no dicionário, mas que causava humilhação quase no mesmo nível que dos palavrões, como “imbecil” e “alienado”. Já as ofensas leves eram as que não eram ofensas por definição, mas que poderiam ser consideradas como tal, como por exemplo, a expressão ambígua “E sua mãe, como vai?”.

Lendo as regras do juiz de ofensas, o povo país-muito-distanense percebeu que era ofendido mais vezes do que acreditava ser afinal, havia sempre alguém perguntando como estava a mãe de alguém, ou se fulano estava lá na esquina. Então, como era de se esperar, os tribunais se encheram de pedidos de reparação vindos de todo país. E foi com a finalidade de resolver isso que organizou-se o 2o Congresso de Ordem de País Muito Distante.

Discutindo, os país-muito-distanenses decidiram que o ideal a se fazer nesse caso era cortar o mal pela raíz. Era preciso então definir a raíz do problema e, após muito debate, determinou-se que a tal raíz eram os meios de comunicação, que levavam conhecimento impróprio à população. Surgiu assim o censurador, aquele que cuidaria de eliminar todas as ofensas dos meios de comunicação de País Muito Distante.

Foram tantas as ofensas retiradas pelo censurador, que os cidadãos de País Muito Distante ficaram com um vocabulário escasso de 100 frases, todas prontas. Isso tornou impossível os costumeiros grupos de discussão literária dos domingos, os debates acalorados sobre as novas descobertas cientificas e até mesmo aquela conversa informal na hora do almoço.
Finalmente o povo de País Muito Distante estava como gostaria de estar: ordenado. Eles perceberam então que, estar ordenado é seguir uma Ordem Superior. E afinal, para que pensar por si próprio e correr o risco de ser rejeitado quando existe alguém que pense por você? Mas infelizmente o exemplo não serve para outros países afinal, os outros países estão próximos, e esse é um país muito, muito distante.

Carol Rosa