sexta-feira, 18 de maio de 2007

Treco de brechó

- Mãe, adivinha o que eu tenho na mão.
- Não faço idéia.
- Tchanaaaaaam.
- O que é isso, Nicinha?
- É nostalgia mãe. Não é linda?
- Nostalgia? Nostalgia é coisa cara, Nicinha. Onde você comprou isso?
- Relaxa mãe. É de segunda mão, comprei em um brechó.
- Xiiii. Esse negocio de você comprar nostalgia dos outros não me cheira bem.
- E posso saber por quê?
- Nostalgia é coisa pessoal, né Nicinha. É que nem roupa de baixo. Você não sai por aí comprando calcinha que já foi dos outros.
- Ah, mãe. Mas é tão bonita. Chega mais perto. Quase dá pra sentir os anos 70 inteiros.
- Mas Nicinha, você nem viveu essa época.
- Se tivesse vivido não precisaria ter comprado uma nostalgia, né mãe.
- Sei lá. Isso não me soa bem. Como é que desliga essa coisa?
- Não desliga.
- Como assim não desliga?
- Não desliga, oras. Não dá pra desligar nostalgia de segunda mão. Só o primeiro dono de uma nostalgia pode desligar ela.
- E onde esse cara está?
- Sei lá. Mas também não importa.
- Não importa não senhora. Eu sei o que esse negócio vira quando cresce.
- Vira convicção. Daí eu posso revender por um preço maior. Dá até pra tirar uma graninha.
- Que graninha o quê. Depois você não guarda esse negócio direito e quando viu ela já invadiu o guarda-roupa, a TV, o aparelho de som... Isso aconteceu com a amiga da vizinha da prima Cida. Dizem que a mulher ficou pinel, não se adapta mais à nossa época.
- Mas mãe...
- Nada de mais. Pode tratar de se livrar desse troço logo. Deve estar cheio de jovens inocentes querendo comprar nostalgia de segunda mão por aí.
- Mas o que faço sem uma nostalgia?
- Sei lá. Liga a TV. Tá passando o Especial do Roberto Carlos na Globo.
- Tá bom vai. Droga!
- Jovens...

Melô da Auto-Ajuda

Você pode ser quem quiser, basta acreditar.
Mas quando se acredita no se quer ser, se desacredita no que se é.
Porque quando se acredita no que gostaria de ser, perde-se a essência do que se é.
Mas o que se é não se torna o que se quer ser.
Porque senão não seria o que se quer ser, seria o que se é.
Então o que se quer ser não existe, porque quando existir, vai se tornar o que se é.
Mas o que se é não basta, é preciso querer ser.
E o que se quer ser acaba tomando o lugar do que se é.
Então o que se é é o que se quer ser, ou seja, não existe.
Então se é o que não existe.
E se não existe, não é nada.
Então você será nada, simplesmente porque quis ser quem não é.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

A rave do papa

Armei a barraca do papa na porta o Ibirapuera. Não era dessas barracas luxuosas, que cobrem o chão e barram o vento, mas era a única lá que vinha com a foto do papa. Acho que eu despertei inveja. Um risinho aqui, uma piadinha ali, uma buzinada, tudo inveja. Podiam falar o que fosse, mas ninguém tinha nada pra fazer ali. Eu tinha. Tinha uma mensagem para o papa, um grito que estava preso na minha garganta há anos. Quer dizer, não tão preso quanto o zíper da barraca do papa, que entalou logo na primeira hora da manhã.

Depois de duas horas, percebi que o zíper não abriria com orações. Também, essa barraca nem era do papa mesmo. Pra comprar a barraca do papa de verdade eu teria que ir ao Vaticano e não na 25 de Março. Mas não importa. Alguns gritos de socorro depois, duas boas almas e um canivete, lá estava eu na fila, esperando para passar a minha mensagem ao papa. Eu precisava ensaiar. Eu chegaria lá, olharia bem nos olhos dele e diria...PAPA.

Lá vinha ele, no papa-móvel. Acho que não poderia existir nome melhor para o carro do papa, papa-móvel. Isso porque todo super herói tem o seu alguma-coisa-móvel, desde o Batman até a Mulher-Maravilha e, porque não, o papa. O papa é mais herói que qualquer outro herói. Olha o Super Homem por exemplo, vive lá, combatendo sei-lá-quantos vilões bizarros. Se tivessem dado ouvidos para o papa e abolido a camisinha, já estavam todos com Aids, essa cambada. Já tinham ido pro saco que nem os fanáticos lá do oriente. Agora que tem bomba explodindo e neguinho voando pra tudo quanto é lado é que vêm falar: “Bem que o papa avisou que eles não prestavam”.

O papa avisou muita coisa, mas ninguém dava ouvidos, só eu. É por isso que eu tinha mais direitos que todo mundo ali de falar com ele. Lógico que pra fazer valer esse direito, precisaria de um pouco de punho. Literalmente. Quem estava na minha frente que me perdoasse, mas eu precisava passar. Não fariam mal a ninguém uns empurrões, chutinhos, socos, chaves-de-braço, estragulamentos e golpes na cabeça com o cano da barraca do papa. O importante é que eu consegui chegar ao palco de filmagem de uma rede de TV e fiquei cara-a-cara com o papa. Por um instante eu travei. Queria ficar ali, só olhando para ele. Mas eu precisava falar, antes que a policia me tirasse dali. Por isso, esperei pacientemente ele olhar para mim. Quando isso aconteceu, ergui as costas, enchi o peito e gritei a plenos pulmões:
- LINDOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!
Agora, que viesse a policia, que viesse a multidão raivosa, que viesse o Super Homem. O recado estava dado.

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Dia de trabalho

Hoje é dia do trabalho. Coisa chata. Falou em dia do trabalho, neguinho já pensa em conjunto de pagode tocando na CUT. Pra mim não tem pagode hoje. Tem uma pá de música, mas pagode não.

De manhãzinha eu acordei, olhei para o lado e vi o bolo de cabelo e baba com quem me casei. Pra uma cena dessas caberia assim uma trilha de filme de suspense. Sabe quando o tubarão vem chegando naquele filme? Tam, tam, tam, tam...shuack, bom dia amor. Bom dia mais ou menos, né? Tenho que ir trabalhar em pleno dia do trabalho. E dia do trabalho lá é dia de trabalho?

Pra completar minha tristeza, chego no bar e já encontro todas as mesas cheias. De gente, claro, porque de comida sou eu que vou ter que encher. Eita povo vagabundo. Brasileiro é foda. Porque não aproveita que é feriado é vai ficar com a família? Prefere ficar sentado no boteco se enchendo de goró. Tudo bem vai, respeito a preferência dos outros. Ô Gaudêncio, serve chopp aqui pra esse povo. Vamos ver se assim eles pegam uma cirrose e não voltam no próximo dia do trabalho.

Mas voltam, sempre voltam. Não adianta demorar com os pratos, nem levar garfo sujo, nem salada sem molho, nem molho sem salada. Eles fazem careta pra mim e sorriem pro Gaudêncio. E nem falar o Gaudêncio sabe. Veio de algum lugar bem no meio do sertão nordestino e se comunica naquela linguagem que troca metade das palavras por grosnados. Ainda se mete a cantar as música estrangeira que o patrão põe pra tocar. Daí em vez de pagode, tenho que escutar música em duas línguas que eu não entendo: na do cantor e na do Gaudêncio. O que eu não daria para estar na CUT escutando meu pagode.

Mas perai, eu não preciso dar nada não. Por que não pensei nisso antes. Ô Gaudêncio, chega aí. Tá contente com o seu salário? - Tchô. - Beleza, então vamos fazer uma...quê? Como assim tá? -Tchô...cuntenti...ganhanu mais q’antes. - Gaudêncio, você não percebe que só trouxa fica feliz com o salário? - ‘Cêbo não. - Pois eu não estou contente com o meu. - Mais té carro c’tem. - É, tenho...mas e você, tem? - Tenhu não. - Sabe o que isso significa? - Seinão. - Significa que você ganha menos que eu...vai aceitar isso?

Greve! Desci logo pra CUT e dá-lhe pagode, dá-lhe morena pelada, dá-lhe lora gelada. Minha mulher que não me ligue agora que não quero saber de tubarão na minha praia. Quero só peixe dos grandes, de preferência piranha. E aqui tem de monte. Só atrapalha a vista a copeira gorducha com aquele coque na cabeça. Falando nisso, ela tá demorando muito pra trazer minha cerveja. Ô queridona, apressa aí minha cerveja, que eu quero beber. Hoje é dia do trabalho.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Justificativa

Sem sentido não, surrealista.
Sem imaginação não, concretista.
Sem noção não, modernista.
Sem humildade não, romantista.
Sem paixão não, realista.
Sem trabalho não, blogger.