Não é todo dia que a gente assume que foi injusta com o Estado. Com tanta roubalheira, tanta corrupção, pensei que estava perdida quando vieram me buscar. Fiquei até com medo daquele homenzinho de pasta na mão: A senhora vem com a gente. Por quê? A senhora não é profissional do sexo? Sou. Pois então, a senhora agora pertence ao Estado.
Era só o que me faltava, estatizaram as putas. Os socio-capitalistas sobem ao poder e é a gente que paga o pato. Mas patos eram eles se achavam que a gente ia se contentar com pouco. Se fosse pra ver pinto de graça, ficava logo com o que cortaram de mim.
Cheguei lá com a língua em riste e o salto armado, pronta para dar escarcéu. Vocês estão muito enganados se pensam que vão me colocar nessa...mansão maravilhosa. É aqui que eu vou morar? Era. Morar não, desfrutar. Veja só, e ainda tem gente que defende a privatização. Quando eu era dona do meu corpo, só vendia pra vagabundo fedorento. Agora, só vinha deputado rico com colônia francesa.
Em pouco tempo eu ganhei carro, roupas, jóias e, como não poderia faltar, gonorréia. Nada que me levasse pro necrotério. Nada que me poupasse do posto de saúde e suas infinitas filas. Mas eu era prevenida e tratei de levar um banquinho dobrável. Banquinho que, diga-se de passagem, nem cheguei a tirar da sacola. Assim que cheguei lá, fui direto para a sala do médico. Fui tratada como uma verdadeira rainha. Ele me implantou um chip que, além de curar a gonorréia, prevenia qualquer DST que eu pudesse ter.
Saí de lá com o sorriso rasgando a cara. Me despedi e quando estava cruzando a porta, um som inesperado anunciou minha saída. Era o alarme. Logo, dois gorilas me agarraram pelo braço e me levaram para dentro. A senhora não pagou a conta, disseram. Pagar a conta? Mas que absurdo, O SUS é público. Foi. Foi? Foi, pretérito perfeito. Ou melhor, pretérito imperfeito, presente perfeito. Só o Novo SUS cuida de você e da sua família como ninguém.
Bem que eu imaginei que esse negócio de estatizar puta tinha um preço. Não dá pra sustentar tanta coisa se não vender pelo menos uma. Se for ver, até que saiu barato. O SUS não valia grande coisa mesmo. Agora o serviço era caro, mas pelo menos funcionava direito. Por isso não hesitei em tirar o cheque da carteira. Vai fazer à vista? - perguntou a funcionária. Claro – respondi – Alguém tem que pagar a conta.
segunda-feira, 13 de agosto de 2007
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Um comentário:
Rubens Ewald: Funciona. O que a gente faz aqui é cinema independente americano. E cinema independente americano é personagem. Tá contando... uma biografia. Tá perfeito.
Leandra Leal: Eu concorrrrdo.
Rubens Ewald: Você concorda? Genial!
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